Tenho um amigo que está na linha de frente da criação do Partido Conservador do Brasil, o Cons. Por causa de seu vasto conhecimento histórico, sobre economia e, não menos sobre sua profissão, a de cinegrafista, conversar com ele é sempre fantástico. Num de nossos debates, ele refutou a minha frase que intitula este texto: “Cultura é tão importante quanto comida”. Com um ponto de vista sempre neoliberal, nos espinhamos sempre em nossos debates quando tento levar a sensibilidade das artes para nossos diálogos, principalmente em tempos de crise nacional – política e financeira.
Desprezado o anúncio justificador do título, acredito que a cultura é tão importante quanto a comida que alimentamos. Para mim, cultura é um alimento para um “órgão” diferente: a alma. A alma não é órgão e os freudianos são bastante confusos em relação a uma afirmação direta sobre o conceito e uso prático do dualismo mente-corpo, principalmente pela conotação religiosa que o termo sugere.
Somos feitos de carne e osso e do que pensamos, simples assim. Para pensarmos, precisamos de subsídios e algo que alimentamos a todo o instante é a mente. Todos os dias, seja andando, pensando, ouvindo uma música, vendo um vídeo ou meditando, estamos alimentando a alma. A Bíblia, com as palavras de Paulo aos Filipenses, no capítulo 4, versículo 8, diz:
Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas.
Pensar no que é verdadeiro, nobre, puro, excelente é alimentar a alma. Assim como pensar em desgraças, em depravação, no que é sujo e desagradável também é alimentar a alma. O que ingerimos de cultura nos faz. Se vivemos décadas ouvindo as mesmas músicas, elas geram significados permanentes em nós. Se passarmos dois dias sem nada ouvir de som e ficarmos apenas com nossos pensamentos, é bem capaz de sermos tomados de grande convulsão. Nossos pensamentos são capazes de nos enlouquecer, mas só teremos capacidade de pensar naquilo que de alguma forma ingerimos. Por isso a solidão nos presídios é tão desigual, psicologicamente falando.
A fonte do que alimentamos é tão importante quanto o conteúdo. Da fonte procede o conteúdo. Do conteúdo, porém, várias interpretações podem ser estabelecidas. Quanto mais conteúdo bom, menos conteúdo ruim. O dia tem 24 horas e quanto mais nos alimentamos do que é puro, menos “contaminados” ficamos. É assim na vida, é assim na cultura. E é aí que entra a importância de um alimento de qualidade nas “prateleiras”. Lixo é o que não falta na internet. Mas que há muito conteúdo de qualidade, isto é fato, a começar das músicas!
Uma criança que ouve a vida toda que não presta, que é um estorvo, que não satisfaz às expectativas lançadas sobre ela vai crescer com a sensação de impotência e talvez desenvolver rejeição para com suas autoridades futuras, tendo muitas dificuldades para vencer tais problemas. Do mesmo modo, uma criança que ouve a vida toda que é especial, que não há ninguém melhor que ela, que ela deve sempre estar acima dos outros e que sua condição sempre será de imposição e nunca de obediência à regras crescerá com uma personalidade arrogante e deparando-se com a escola “vida”, acabará frustrada e revoltada. Essas influências são as mesmas que as músicas, os filmes e as outras peças artísticas fazem no nosso ser, enquanto crianças, adolescentes e adultos.
Não sou bitolado ao ponto de dizer que quem ouve um rap “da pesada” falando sobre drogas e armas irá se envolver com drogas e armas, obrigatoriamente, principalmente porque muitas vezes trata-se de uma crítica social. Mas quando há apologia, como é no caso de parte das músicas do sertanejo universitário, à bebida, sexo descompromissado e quebra de compromissos matrimoniais por um descrédito do amor, há um efeito direto nas relações, o que não obriga a dizer que todos os que ouvem tais músicas terão relacionamentos frágeis. E para lacrar, não é quem ouve o poético Jobim e as melodias carregadas de sentimentalismo gospel que são as melhores pessoas do mundo – muitas vezes, isso não reflete um décimo do que realmente a pessoa é, às vezes esconde uma podridão. Tudo depende do valor atribuído, da crítica que se faz com o conteúdo que se chega, por isso sempre digo que o julgamento de qualquer peça deve ser feita por seu conteúdo ao invés de sua fonte, primariamente.
Há três anos, mais ou menos, não assisto televisão. Falta de tempo, uma visão mais crítica sobre o conteúdo televisivo e ao mesmo tempo um “cansaço” de anos em frente à TV me fizeram tomar essa atitude. Dificilmente assisto a um filme ou mesmo a uma partida de futebol. Minha alma é alimentada com leituras, músicas e vídeos (curta-metragens, às vezes). Uso as redes sociais, principalmente, o Twitter, para me manter conectado aos vários canais de notícias existentes no Brasil e no mundo e, tirando a pequena presença da imprensa local na rede, estou bem “abastecido” de informação – muitas de péssima qualidade, outras de excelente qualidade -, assim julgo.
Informação temos a todo tempo, todos os dias, de todas as formas. E a cultura que ingerimos é a cultura da qual fazemos parte. Se moramos no interior e alimentamos de uma cultura metropolita, teremos uma vida alinhada à cultura da qual alimentamos, mesmo que tentar fazer com que isso seja realidade, dadas as dificuldades e diferenças que todo interior entregam ao cidadão, seja caro e muitas vezes inviável. Do mesmo modo, morar numa capital e tentar se alimentar de uma cultura do interior é difícil por causa das peculiaridades que a capital de qualquer Estado tem. Cultura é o conjunto. Toda pessoa traz consigo uma bagagem cultural. E é natural que cada pessoa seja diferente exatamente por isso. Se pessoas são diferentes, as cidades não seriam diferentes?
Então, cultura é cultura. Alimente-se do amor. Alimento para alma. Cultive a cultura, a sua cultura, a cultura do seu local de vida. Se você está lendo isso é porque, de algum modo, valoriza a cultura da leitura em sua vida. Aqui abaixo, uma lista de reprodução com os clipes musicais que salvei no meu canal do Youtube. Fique à vontade para passar o dia ouvindo… Ou para recomendar novas alternativas nos comentários!