Por muitas vezes, me debrucei sobre situações não vividas olhando pelo lado de fora para conseguir compreendê-las. Por outras muitas vezes, no olho do furacão, não soube lidar com minhas próprias impertinências. Agora, já num estágio diferente, mas que também reserva impertinências e desafios tão grandes quanto os anteriores, paro para pensar e escrever: por que é tão difícil lidar com a adolescência?
Antes de continuar, um adendo: esse artigo não existiria se não fosse minha leitura, em 2016, do livro “Adolescer: estudos revisados sobre a adolescência” de José Ottoni Outeiral. A obra é voltada à Psicologia e Sociologia, mas deveria ser leitura obrigatória para todos que lidam com adolescentes, seja como pai, mãe, tutor, professor, cuidador, etc.
Continuando, a adolescência é um processo social culminada com a puberdade (processo biológico). Às vezes a adolescência começa antes da puberdade, às vezes depois. E nisto impacta diretamente o ambiente, em especial o familiar, da ainda criança. Há pessoas que passam pela adolescência na fase do ensino médio e perduram até suas primeiras decisões mais autônomas e criteriosas. Há outras pessoas que têm sua adolescência iniciada ainda no ensino fundamental, culminada com as primeiras transformações que o corpo apresenta.
Compreender que cada um tem um processo é algo necessário. No entanto, as leis trabalham com faixa etária, por isso há uma conversa acentuada sobre adolescentes x ou y que tiveram um desenvolvimento biológico acima do normal serem colocados em igualdade, pela lei, com outros que ainda brincam sem sequer ter noção de que logo começarão a ver transformações estranhas no seu corpo e voz.
Talvez seja esse o primeiro empecilho para lidar com a adolescência no contexto social. Mas não é o único. É preciso compreender que o adolescente está em processo de se conhecer, portanto, suas emoções são extremamente descalibradas. Leia bem: descalibradas, isto não quer dizer que são ilegítimas, que são descabidas ou que são dramáticas. São apenas descalibradas, portanto, merecem respeito como qualquer emoção calibrada de um adulto. Isso serve – e muito – para lembrarmos os episódios em que numa conversa normal um adolescente chora. Isto não acontece para que o consideremos desequilibrado, mas sim para que entendamos que aquela emoção, ainda que descalibrada, tem valor e precisa ser acolhida.
Outro contexto importante sobre a adolescência é a transformação do corpo. Não adianta implorar à um adolescente que ele se veja como você o vê, pois é necessário que ele se reconheça, que a percepção que ele tenha sobre si seja original. É por isso que o adolescente busca tantos referenciais físicos. Lhe falta o autoconhecimento necessário para se entender como indivíduo, logo o efeito manada o faz pertencido. Investir, nesta idade, em atividades que o permitam perceber o seu corpo como algo único é fundamental. Insisto: é preciso fortalecer a ideia dele ser único, afinal, ele está conquistando o espaço dele no mundo.
Depois de aceitar o corpo e as emoções, é hora de, finalmente, educar. Essa tarefa é árdua, compete a todos os que estão na linha de frente: pais, educadores, líderes, amigos mais velhos. Educar é mais que ensinar. É liderar o caminho do aprendizado. E para isso dois ingredientes são fundamentais: transparência e liberdade. Não há como ensinar um adolescente sem transparência. Quem costuma se distanciar de sua humanidade e tenta emplacar regras rígidas no convívio com adolescentes será sempre o Cristo a ser crucificado – e com razão, afinal o adolescente está em processo de conquistar seu lugar no mundo e ao ser tolhido, parte para cima, é instintivo. Por este motivo, o segundo ingrediente é a liberdade: após definir regras claras e mais genéricas, é hora de deixar a liberdade na mão do adolescente. Educar em liberdade tende a ser mais difícil, sobretudo para os perfeccionistas. Mas é na relação de confiança que se estabelece a liberdade, portanto, as regras não são um limitador, apenas uma delimitação da relação de confiança.
O adolescente quer e precisa sentir. Também quer e precisa conversar. Assim como quer e precisa ter seus momentos de silêncio. Numa relação de qualquer nível com um adolescente, o diálogo é a principal ferramenta para solucionar conflitos. Por outro lado, é preciso estabelecer uma relação de segurança no diálogo. No caso de educadores, é preciso manter uma conversa muito aberta onde ficam claros os assuntos que serão “públicos” e os que serão “privados”. Ter cuidado com a exposição, sobretudo do adolescente menor, é muito importante.
E por fim, a adolescência é época de falar sobre os assuntos da vida adulta como se conversa sobre um filme. É tempo de conversar sobre as ansiedades, os medos e os sonhos dos adolescentes. É também tempo de falar sobre como se enxergam na sua família, os seus futuros cônjuges, as suas relações de amizade, bem como suas futuras relações de trabalho. Insisto: precisamos parar de chamar “o” mercado de trabalho, “a” faculdade, “o” casamento, “a” família e começar a falar sobre como o adolescente se pensa “no” mercado de trabalho, “na” faculdade, “no” casamento e “na” família. É preciso eliminar essa barreira como se essas coisas que conversamos fossem distantes demais para que o adolescente não se imagine dentro delas.
O meu desejo é que todos os adolescentes do nosso Brasil possam ser sonhadores, mas também, que possam ser sonhados pelo nosso Brasil. Indico o trailer (abaixo) do documentário “Nunca me sonharam” para sensibilizarmos sobre o papel social da escola na educação do adolescente. E te desejo calma com os adolescentes que conhece, pois você também já passou por isso!
Foto de Capa: Pixabay/Reprodução